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Secretaria da Cultura de Berlim derruba cláusula antidiscriminação que na prática vedava crítica a qualquer tema envolvendo Israel

A decisão acontece dias após apoio da ganhadora do Nobel de Literatura Annie Ernaux a boicote contra eventos culturais estatais alemães. Qualquer pessoa ou entidade que desejasse se candidatar a financiamento cultural em Berlim precisava concordar expressamente com uma cláusula de conformidade com uma definição local de antissemitismo que na prática vedava qualquer crítica ao Estado ou ao governo de Israel. Depois de muitas críticas, o secretário Joe Chialo anulou esse arranjo.


22/01/2024 (Der Spiegel, The Guardian, Rheinische Post)

 

Devido a preocupações de ordem jurídica, o secretário berlinense da cultura Joe Chialo (CDU) cancelou a cláusula antidiscriminação para financiamentos. "Em razão de questões legais, de que a cláusula antidiscriminação não é juridicamente segura nessa forma, ela não será mais utilizada em decisões de financiamento, com efeito imediato", anunciou o setor administrativo da cultura na segunda-feira (22). Abaixio, Annie Ernaux em outubro de 2022, foto de Michel Euler.


"Continuarei a fazer campanha pelo desenvolvimento não discriminatório da cultura de Berlim. No entanto, devo levar a sério as vozes jurídicas e críticas que viram a cláusula introduzida como uma restrição à liberdade artística", disse Chialo, em um comunicado de imprensa. O debate agora é mais necessário do que nunca, acrescenta a nota da revista alemã Der Spiegel. No início de janeiro, a administração cultural anunciou que os beneficiários de financiamento público seriam obrigados a assumir um compromisso contra o antissemitismo, entre outras coisas, por meio de uma cláusula. A base para isso seria uma definição de antissemitismo da International Holocaust Remembrance Alliance (IHRA) e sua extensão, conforme complementada pelo governo alemão.

 

Em suas próprias palavras, o secretário da Cultura, queria garantir que os fundos públicos não fossem usados para promover formas de expressão racistas, antissemitas, hostis aos homossexuais ou marginalizantes. De acordo com informações daquela administração cultural na segunda-feira, a cláusula foi introduzida há cerca de um mês. De fato, nacionalmente a prática é bastante anterior.

 

Em carta aberta (agora retirada), várias centenas de profissionais da cultura protestaram contra uma "confissão compulsória". Houve manifestação em frente à Câmara dos Deputados Estaduais de Berlim. Aparentemente, a cláusula também não foi suficientemente acordada com o Partido Social Democrata, SPD, parceiro da coalizão que governa o Estado de Berlim.

 

Uma campanha chamada "Strike Germany" também convocou greves contra instituições culturais alemãs em todo o mundo, referindo-se à cláusula e à definição de antissemitismo que ela contém. Aparentemente, a iniciativa ainda não chegou a nenhum desfecho prático.

 

A decisão também se dá após uma escalada de reportagens e artigos de diferentes personalidades e veículos internacionais de prestígio. A ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura, Annie Ernaux, apoiou poucos dias antes a convocação do boicote "Strike Germany”, contrário ao consumo de eventos culturais estatais alemães – o que engloba percentual bastante significativo da produção cultural do país. A Suhrkamp, editora de Ernaux na Alemanha, confirmou o fato na semana passada, informando que a escritora francesa, de 83 anos, não quis fazer mais comentários. Vários meios de comunicação já haviam informado isso anteriormente.

 

A iniciativa "Strike Germany" é dirigida a artistas criativos internacionais e o pano de fundo é a posição da Alemanha no conflito do Oriente Médio, especificamente a mencionada cláusula contratual oficializada por todas as instâncias culturais, educativas e de pesquisa do país. Embora não mais em Berlim, esta ainda exige dos eventuais recebedores de subsídio não apenas não tecer nem endossar  qualquer crítica dirigida ao governo ou ao Estado de Israel, como também estende tal crivo a colaboradores, funcionários e subcontratados do subsidiado. Houve vários casos de dirigentes e altos conselheiros de instâncias curatoriais serem demitidos ou se verem forçados a pedir demissão em razão haverem sido enquadradas como antissemitismo postagens realizadas pelo órgão que representavam em apoio a eventos ou iniciativas críticas à política israelense em relação aos territórios palestinos e/ou seus habitantes. E, detalhe importante: não foram raras as vezes em que tal motivação para a quebra de confiança – e consequente suspensão de subsídio ou rescisão de contrato - aconteceu vários anos antes. Há anos, conforme recentemente relatado em artigo publicado pela revista norte-americana New Yorker, foi de fato instalada pelas autoridades federais alemãs uma burocracia especialmente encarregada de pesquisar condutas consideradas antissemitas dentro daquele escopo agora considerado demasiado amplo pelo secretário de cultura berlinense. Resulta que um número expressivo de artistas, intelectuais e cientistas judeus críticos das políticas do governo de Tel Aviv tiveram cortados subsídios, convites e prêmios financiados pelo Estado alemão por conta de suposto antissemitismo.

 

De acordo com uma reportagem do "Rheinische Post", o Ministério de Estado da Cultura e da Mídia reagiu com cautela ao "Strike Germany". "A Ministra de Estado da Cultura enfatizou repetidamente que não acredita em pedidos de boicote no setor cultural. Ela também tem uma visão completamente diferente da situação da cultura alemã", disse o jornal, citando o ministério.

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